Não há o que contestar: a música sempre foi uma válvula de escape em se tratando de situações desconfortáveis. A gente se sente abraçado e nutre um afeto com faixas capazes de nos levar a esse status de identificação. Pois saiba que o novo trabalho da cantora paulista Marina Melo se encaixa perfeitamente nesta regra.
A artista lança nesta sexta-feira (31) o single “Eita, Baby”, que já chega com clipe aqui no Papelpop. Na letra, ela reflete ao lado de Giovani Cidreira, Jadsa Castro e Marcelle, três outros nomes promissores da MPB, sobre aquele momento em que antes da hora, seja deslumbrada, distraída ou simplesmente apaixonada, você acaba chamando o @ de “amor”.
O som é bem pop e tem tudo pra grudar na sua cabeça. Mais infalível que isso, adiciona-se a receita utilizada para a criação do clipe, que a partir de uma paleta mega colorida apresenta seus criadores em tomadas que na vida real são incapazes de rebobinar atos já consumados.
Pra saber um pouco mais sobre este trabalho, cena independente, colaborações e, claro, o que esperar de seu segundo álbum de estúdio previsto para chegar em agosto, batemos um papo com a cantora por telefone. Vem ler:
Papelpop: “Eita, Baby” é uma canção em que você fala sobre chamar alguém de amor antes da hora. De onde surgiu a ideia pra compor a faixa?
Surgiu da vida real mesmo. Escrevi essa letra despretensiosamente porque aconteceu comigo. Veio numa toada só, enquanto eu andava. Consegui nessa letra imaginar como a gente poderia dar um “Ctrl+Z” na situação. O fato é que isso é impossível, visto que você vai se embananando. Você já ta com o pé na lama, mesmo que tente, mas não vai dar. Falar q estava distraída? Uma vez q isso foi dito, foi dito.
Você colaborou com Giovani Cidreira, Jadsa Castro e Marcelle. Como surgiu esse contato?
Nós quatro frequentávamos muito a casa Vulva. A Jadsa morá lá atualmente e o Giovani viveu também por um tempo. A gente ia sempre e ao compor essa faixa, cheguei pra ela e disse: “Acho q é a sua cara. Vamos juntas?” E o Giovani quis participar. Pegou o violão instantaneamente e começou a puxar dois acordes. A Marcelle veio com a melodia e do sofá, onde a Jadsa estava meio sonolenta, conseguimos despertá-la. Ela me deu dicas muito preciosas e acabou se tornando um trabalho colaborativo. A harmonia dada pelo Giovani funciona como cenário. Fico muito feliz com a parceria, cada um deu o melhor de si.
Você acha que firmar parcerias como essa fortalece a cena independente numa espécie de rede de apoio?
Sim, é muito importante, até pra entendermos mesmo como a cena independente é um espaço em que todos nós caminhamos juntos. A gente precisa criar laços de afeto, de parceria, porque isso fortalece em todos os âmbitos a sua produção. Em primeiro lugar você tem com quem contar. Em segundo, com quem cantar. E se aprende muito artisticamente. Essa ideia de independente que sinaliza para algo solitário, que diz que você dá conta de tudo por si só, não é saudável. Com a criação do meu novo disco entendi isso de uma maneira melhor. É ótimo pedir para que os outros nos indiquem caminhos, é ótimo fazer isso também. É preciso trabalhar em rede.
Na MPB, quem te inspira e não sai da sua playlist?
Minha grande referência pra esse trabalho foi Julia Branco. Júlia é uma cantora e compositora de Belo Horizonte, o trabalho dela foi fundamental para que eu entendesse o caminho que seguiria com o meu, pra que eu descobrisse como potencializar minhas buscas por arranjos com pedal de lupe e violão… Mas tenho várias outras musas e musos inspiradores como Karina Buhr, Letrux, Tulipa Ruiz, Luiza Lian, Jadsa Castro, Giovani Cidreira (que cantam comigo no disco novo) e Gilberto Gil…
O trabalho de composição envolve muita sensibilidade e uma certa evolução. O que mudou nesses três anos que separam “Soft Apocalipse” e o seu novo trabalho?
Muitas coisas. Eu comecei a desenhar um caminho e antes de ter ido a Minas Gerais para gravar, muitos acontecimentos tiveram lugar na minha vida. Fui a Recife e lá eu fui convidada por Juliano Lama, um artista com um trabalho belíssimo e que vale a pena conhecer, a me juntar a um time de compositores e compositoras em um sarau. Faríamos um show juntos e de um elogio, nos tornamos amigos resolvemos gravar juntos. Isso é muito rico, se permitir compor com outros. Quando o processo de composição é travado, você passa a não enxergar isso como um problema pessoal. Meu segundo disco se diferencia do primeiro justamente em termos de abertura. São 4 faixas com parcerias e 6 composições autorais. Pra mim abrir a porta pra que outros entrem e deem pitaco, deixar a musica passar a pertencer a outros, é algo muito bom.
O clipe sai amanhã e vem embalado por uma pegada conceitual. É bastante colorido, quase almodovariano…
Eu adoro isso das cores. Resolvi que as pessoas que fariam as fotos seriam as mesmas responsáveis pelos clipes. Eu quis unidade visual e a diretora, Laís Aranha, mergulhou de cabeça na minha ideia, já indicando outros integrantes para a equipe. Daí a importância das parcerias, pra que a gente cresça. Foi tudo bem orgânico, a gente tingiu todas as camisas e os backgrounds, foi um trabalho minucioso.
Aliar música à questão estética sempre foi algo importante pra você?
Bom, a música caminha com a imagem, mas eu não sabia que isso era importante. No primeiro disco fiz um trabalho de fotos super legal, mas não era algo tão forte pra mim. Já no segundo comecei a ficar atenta sobre isso e comecei a fazer uma pesquisa ampla, inicialmente sobre sonoridade e composição. Depois parti para a parte artística, que me fez ter no Pinterest umas 20 pastas inspiradoras. Lá você encontra de Caetano, Rita Lee a Björk ou mesmo em se tratando de trabalhos fotográficos feitos em lugares como o Central Park . Reuni tudo e entreguei à nossa designer, Ramos, que pegou essas fotos e as transformou em uma paleta.
Você se prepara para o lançamento de um novo álbum, em agosto. Como foi o processo, o que podemos esperar?
Gravamos em Macacos, uma cidade próxima a Belo Horizonte, e achei que seria uma experiência tranquila, no meio do mato. Fiquei em uma casa maravilhosa, mas no segundo dia soou uma das sirenes da Vale, alertando para o risco de rompimento de uma barragem. Foi transferida para a casa de Chico Neves, responsável pelo estúdio, que me hospedou junto a sua família. Fiquei na sala da casa dele durante um mês e o que aconteceu depois disso… foi muito revelador. Acabei escrevendo uma música chamada “Emergência”, que não entrou no disco, mas que também dialoga com tudo o que trarei. Exploro nestas canções novas as várias nuances das relações humanas, dos níveis mais íntimos, em que me permito conversar comigo mesma, até questões externas ligadas à intolerância, ao ódio que vemos no Brasil e que nos mata. Também há questões ligadas às relações de amizade e de amor. Em resumo, o disco é sobre questões múltiplas e contraditórias que nos fazem… ser gente.
Assista ao clipe de “Eita, Baby”: