Aos 66 anos, cantor lança o apaixonado ‘Pra Sempre’, dedicado ao relacionamento com Clebson Teixeira.
Em janeiro, quando se ajoelhou no palco da Fundição Progresso e pediu Lulu Santos em casamento, o analista de sistemas Clebson Teixeira tomou do cantor uma denominação que o acompanhará por décadas. “O último romântico é o Clebson. O grau de romantismo nas ações dele é… tudo o que você espera”, sorri o cantor e compositor de 66 anos, no salão de um lindo hotel em Santa Teresa, no Rio de Janeiro, onde conversou com o Papelpop sobre “Pra Sempre”, seu novo álbum, na última quarta-feira.
Lulu fez do relacionamento com Clebson, que o casal tornou público em julho de 2018, o mote explicitamente apaixonado do novo trabalho, que chegou às plataformas de streaming nesta sexta-feira. Na véspera, o Supremo Tribunal Federal decidira que homofobia é crime no Brasil. Neste mesmo dia, o músico postou uma foto ao lado do namorado no Instagram e escreveu: “Ter exposto minha orientação afetiva/sexual nos dias de hoje talvez tenha sido o ato mais político da minha vida e também obra”.
E não falta exposição em “Pra Sempre”. A letra da faixa-título, por exemplo, não poderia ser mais direta: “Já dei a entender / Tem lugar no apê / Se você decidir / Eu não quero insistir / Nem desistir / De viver com você / Pra sempre”. O clipe da música aprofunda a exposição, ao mostrar a própria casa de Lulu em detalhes, a intimidade do artista compartilhada sem cortes. “E o que é a vida contemporânea, se não essa exposição constante? É mais ou menos como o feed de Instagram da Cardi B”, brinca.
No hotel em Santa Teresa, Lulu dá voz a suas paixões. Cada entrevista de 15 minutos dura ao menos o dobro do tempo. Ele fala com intensidade sobre o álbum. “É o disco mais concentradamente inspirado que eu já fiz. O mais motivado”, afirma. São oito canções inéditas, mais uma instrumental e uma versão “gelada” do clássico “Look of Love”, de Burt Bacharach. Três delas foram lançadas ano passado, no “The Voice”, do qual é jurado. Na entrevista abaixo, Lulu fala sobre o programa, as parcerias do novo álbum, Janelle Monáe e autoritarismo, com a mesma paixão que o move desde o primeiro encontro com Clebson.
Papelpop: Como você posiciona “Pra Sempre” na sua carreira?
Lulu Santos: Como um disco inspirado. Um disco motivado. Um disco – por que a gente tá falando essa palavra? – um álbum, uma coleção de canções elevadas, provavelmente as melhores que eu escrevi nos últimos dez anos. As que têm mais intensidade emocional.
Em abril, você escreveu, sobre o pedido de união estável com o Clebson: “Pedi para que fosse válido a partir de 6 de maio porque nasci no 4 e achei justo que renascesse logo em seguida”. O quanto deste renascimento está presente no novo álbum?
O álbum é o renascimento. É a Vênus saindo de dentro da ostra. Por isso, eu o situo como o mais concentradamente inspirado que eu já fiz. O mais motivado… O que uma música precisa? É um pouco como germinar uma semente. Para ter uma semente muito forte [é preciso] irrigação, luz do sol… todos os elementos estavam presentes, então todas as canções são solares, têm uma eletricidade positiva. Que era o que me percorria na composição.
O disco celebra o amor de uma forma bem direta. Como você elaborou o conceito do álbum?
As canções foram sendo feitas a partir de maio do ano passado. A primeira delas foi “Tão Real”, que ainda estava inédita. “Orgulho e Preconceito”, “Gritos e Sussurros” e “Hoje em Dia” eu lancei no The Voice. A última que eu fiz foi “Pra Sempre”, agora em fevereiro. Só que, no processo de realização, essa última música acabou dando o mote para o disco todo, que é um passo a passo da nossa relação. Da primeira explosão da paixão até a percepção de que o que a gente tem que fazer agora é casar e mudar.
E isso vai acontecer em breve?
A gente ainda não está vive inteiramente juntos. Ele está lá [em Belo Horizonte, onde vive] e essa é uma decisão que ele vai ter que tomar, sem pressão. Pressão não funciona. Tem uma coisa que eu aprendi na vida: nunca é força. Sempre é jeito. Por outro lado, eu não conhecia Belo Horizonte, a vida da cidade, como estou conhecendo agora. Sempre fui muito centrado Rio de Janeiro, na Zona Sul. A experiência de ser uma pessoa que agora vive em pelo menos dois lugares, divide sua vida, enriquece, te dá uma nova perspectiva.
“Pra Sempre” tem diversos co-produtores, entre eles o bom e velho DJ Meme a Sergio Santos e Ruxell (IZA), Head Media (MC Guimê, Lexxa, Projota), o DJ Anderson Noise, a banda O Terno…
Eu gosto da inflexão externa, para o álbum ficar, como eu falo, sortido. A segunda lei da termodinâmica diz que um sistema fechado é destruído pela entropia com o tempo. Se você fica muito imerso no seu próprio universo, você calcifica. E eu gosto de me comunicar bem. Eu não sou um cantor e compositor pop? Eu gosto de pensar que sim, que essa é minha forma de expressão. Sou amigo de Andy Warhol, isso é querido pra mim. Então tem que ser pop. A feitura, a execução e a entrega têm que ser pop. This is not rock’n’roll.
Sim, o que menos se ouve no álbum é rock.
Eu passei dois anos fazendo o “Luiz Maurício” [álbum de inéditas anterior, lançado em 2014] e no fim cheguei à conclusão de que deveria ser um EP. Ele tinha um lado que eu queria, com toda a modernidade, e tinha outro que ficava dinossauricamente preso aos velhos esquemas [de composição]. Dessa vez não, quando eles aparecem é saudável, quase como um holograma. Mas tem duas músicas em que tudo o que as pessoas reconhecem como meu está ali, dado de graça e rindo, que são “Gritos e Sussurros” e “Ser ou Não Ser”.
Então você é um ex-roqueiro?
Eu tenho recaídas. E as recaídas são sempre… recaídas. Desde que fiz essa opção ali no meio da década de 90, com o “Assim Caminha a Humanidade”, as coisas mais acertadas que eu fiz não eram rock.
O rock envelheceu. Outro dia li um texto enorme na The New Yorker sobre como a guitarra perdeu a utilidade. Eu enchi o saco. Ficar horas brigando com o instrumento, repetindo 300 vezes aquela coisa até sair tudo perfeito… E não é por isso que eu sou conhecido. Sou conhecido pelas letras das minhas músicas. “Eu vejo a vida melhor no futuro”. “Não desejamos mal a quase ninguém.” É por causa disso, por causa das ideias. Acho que perdi muito tempo num pântano de falta de clareza das minhas próprias ideias e sentimentos, me perdendo quase propositalmente para não me achar. “Procurando não me achar.”
Sua versão de “Look of Love” se joga sem medo no autotune.
A primeira vez que ouvi autotune eu falei: quero isso na veia! Ali eu estava “procurando” o Daft Punk. Sim e não, porque “faz como Daft Punk” seria muito cafajeste. Mas o que eu não queria era outra bossa-nova-jazz, como as de Nina Simone, Dusty Springfield, Diana Krall. Eu quis algo gelado, eletrônico e com autotune. Queria o robô. Aí o DJ Meme falou: “ah, é?” E saiu. E, basicamente, é a tecnologia que move o mundo contemporâneo.
O que você tem ouvido de novo?
Teve um álbum que eu gostei muito ano passado, o “Dirty Computer”, da Janelle Monáe. Que disco BOM, tem a medida certa de eletrônica contemporânea com uma sujeirinha reminiscente de Prince, de rock, só o necessário, como coentro numa moqueca. Eu gosto de vários discos dessas moças: ouço H.E.R., Jorja Smith… E ouço a Cardi – acho ela tão interessante.
Como o The Voice contribui para renovar seu público? Ou você não tem essa preocupação?
Claro que eu tenho. E a minha música é muito aproveitada também no programa. Recentemente, o menino Jeremias, que depois venceu o The Voice Kids, fez uma versão esculachante de “Apenas Mais Uma de Amor”. A minha música é muito re-circulada. E a coisa mais comum que tem é eu estar num aeroporto e vem uma criatura de oito anos e me diz: “Lulu Santos, sou sua maior fã”.
E o momento atual do Brasil, como você o vê?
Hoje eu li uma reportagem sobre o novo livro da Lilia Moritz Schwarcz, “Sobre o Autoritarismo Brasileiro”. Vejo que este é um viés que sempre esteve presente no Brasil, de parte do povo.
Isso te preocupa?
Não, porque é muito bom a gente saber quem a gente é. Essa clareza é boa. Me faz ver o que é, quem é o quê. Prefiro ficar esclarecido para saber como lidar com as situações. Antes, ficava um cinza completo. Agora a gente já sabe o que é mais “branco” e o que é mais “preto”. E pra gente saber também a mão de quem não largar. Para saber tomar decisões futuras e interferir no processo.
“Pra Sempre”, o novo disco de Lulu, está disponível nas plataformas digitais.
[Texto e entrevista: Ricardo Calazans]