Estamos vivendo um momento nebuloso por essas bandas e parece não ter fim. Na semana passada tivemos o episódio do artista nu no MAM-SP e uma parte da sociedade brasileira disparou que a instituição estava promovendo pedofilia. A mesma sociedade que está vendo uma cura gay ganhando liminar e, aos poucos, força popular. A mesma sociedade que viu um projeto lei para criminalizar o funk como algo que defendesse os valores da família brasileira. Que diabos está acontecendo?
O Brasil é um país bizarro e deveria ser estudado minuciosamente. Somos conhecidos pelo fio dental, item obrigatório do verão, mas se alguma mulher tirar a parte de cima do biquíni é considerado atentado ao pudor e vai presa.
Fomos conhecidos por programas dominicais terem disputa de quem pega mais sabonete numa banheira, onde dançarinos e dançarinas ralavam numa garrafa ou de um apresentador apontar para o volume da calça de um convidado que ganhou uma dança sensual, mas um documentário sobre sexo tem que ser exibido depois das 23h.
Uma obra interativa com um homem nu foi longe demais. Uma pachorra.
Alguns movimentos levantaram a bola de fazer um boicote a museus que promovem o nu artístico – quem teve esta ideia não deve ter ido nunca a um museu em sua vida. O nu está em por toda parte. Sei lá, essas pessoas já prestaram atenção que até nas igrejas católicas também existe nu? De qualquer forma, este tiro sairá pela culatra, já que quase 92,5% dos brasileiros já não frequentam exposições de arte. NOVENTA E DOIS POR CENTO.
A arte está, desde os tempos mais primórdios, para nos fazer refletir, pensar, debater e chocar. Sim, chocar. Nos tirar de nossa zona de conforto. Uma corrente como esta pedir investigação do ministério público se o MAM-SP cumpriu todos os regulamentos com relação à classificação indicativa é algo surreal. Se os pais ou responsáveis tiverem um pingo de discernimento e abrir um diálogo explicando o contexto da obra é um caminho.
Eu tenho uma filha de dois anos e fui com a minha mulher ao Masp ver uma exposição da casa. Ela está na fase de repetição de palavras, apontar coisas ao seu redor e relacionar com o que vive ou já viu em sua vidinha. Um dos quadros que ela viu, tinha uma mulher com os seios à mostra e não demorou muito para ela falar: mamãe. Afinal de contas, ela mamou durante quase duas temporadas e essa é a referência para ela.
O resto das obras corríamos com ela para explicar e conversar sobre o que estava acontecendo. Em nenhum momento eu comecei a cobrir os olhos da minha filha, pois tinha um anjo barroco com uma piroca à mostra.
A obra interativa do MAM-SP é algo reflexivo, provoca pensar o que está acontecendo por ali. Como fizemos com a nossa filha em alguns momentos da exposição, tentamos explicar o que ela estava vendo por ali com nossas bagagens, nossas referências.
As pessoas que saíram esbravejando nas redes sociais sobre a obra, viram erotismo nesta cena. Ao invés de refletir, conversar ou pensar um pouco no que estava acontecendo por ali, o caminho mais certo foi de pedir o cancelamento da obra. Parece que é mais fácil apelar para intervenção militar do que simplesmente abrir um canal de diálogo com o teu filho(a).
É mais fácil proibir, é mais fácil colocar uma tarja preta ou efeito de borrão do que falar sobre algum tema que é considerado um tabu pela sociedade? Museus, música e cinema possuem uma função pedagógica, então é necessário esclarecer que isto faz parte da história da arte, faz parte do patrimônio mundial.
Ontem foi o MAM-SP com a obra da Lygia Clarke, hoje pode ser a capa de um disco que tenha uma genitália e amanhã uma letra de algum artista. A censura de qualquer tipo de arte não é o melhor caminho.
Fita Cassete é o alterego de Brunno quando ele fala sobre o assunto.
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* A opinião do colunista Brunno Constante não necessariamente representa a opinião do Papelpop. No entanto, por aqui, todas as opiniões são bem-vindas. :)