A Virada Cultural está no calendário na cidade de São Paulo há algumas temporadas, mas se tornou uma incógnita com a chegada do prefeito de São Paulo, João Dória. Quando assumiu o cargo, o gestor comentou que o evento causava muita balbúrdia e que seria melhor concentrar a festa no Autódromo de Interlagos, localizado na zona sul da capital.
Nesta semana saiu a programação e, para a surpresa de muitos, com o tradicional roteiro que pulsa pelo centro de SP. Eu vi esta notícia em um conhecido jornal e, ao final da matéria, fui dar uma olhada nos comentários.
“Eu não pago imposto pra sustentar vagabundo artista. Isso é cultura? Esperava mais do senhor (em referência a João Dória)”, comentou a pessoa com algum codinome indecifrável. Este exercício de ler os comentários anônimos em grandes portais expõe o que realmente a pessoa quer dizer, mas não tem colhões de publicar em redes sociais ou num papo em sua faculdade.
Sim, isso é cultura, meu amigo (a). Uma seleção de diversos artistas de tudo quanto é gosto espalhados por uma das maiores cidades do mundo e tocando de graça é cultura. Dar a oportunidade para jovens e velhos poder conhecer lugares como Theatro Municipal, Sala São Paulo, Chácara do Jockey, Biblioteca Monteiro Lobato é cultura. Vivemos num período meio nebuloso politicamente e isso está causando a cegueira de uma parcela da população.
A programação da Virada Cultural é plural. Andando pelo centro você poderá esbarrar em atividades relacionadas com dança, teatro, literatura, exposições e, claro, a música. Outros comentários apontavam que o evento era a reunião de músicas ruins, onde jovens consomem drogas e se prostituem (sic). Ainda nos comentários da nota, o cidadão questionava os gastos com um evento deste porte e sugeria que a dinheirama fosse investida em armamento para policiais (sic again).
Acesso à cultura está garantido na Declaração Universal de Direitos Humanos e, até o momento, encontra-se na Constituição Federal. Por mais que você possa não concordar com o Molejo ou a Gretchen dentre as atrações, é um direito de todos este acesso. Abre aspas: O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
Abrir a discussão sobre o que é ou não é uma manifestação pode ser um bom debate. Se funk ou sertanejo é música, logo, é arte e, consequentemente, é uma forma de manifestação cultural. Portanto, MC Kevinho, Gretchen ou Molejo podem ser interpretados como cultura. A essência popular de um gênero não o desqualifica como alguns internautas defendem.
Complexo de Vira-Lata
O que eu enxergo neste comportamento que tiram o mérito de uma festa do porte da Virada Cultural é o complexo de vira-lata, termo criado pelo escritor Nelson Rodrigues. A mesma pessoa louva ações parecidas de países que visita em suas férias ou viagem pelo trabalho.
Eu tenho um casal de amigos que estão há algumas temporadas na Holanda e conversamos recentemente sobre a festa do rei, que acontece todo finalzinho de abril por ali. As ruas de Amsterdã e outros lugares do país são tomados pela população que veste laranja dos pés a cabeça e celebra a data com uma grande leva de atrações de graça: DJs, grupos de dança, banda de jazz, rock e afins. Um verdadeiro carnaval.
Estas festividades levam milhares de turistas para o local de acontecimento (seja gringos ou até mesmo municípios e estados), aquece o comércio e proporciona um monte de atrações de graça para a população. A Virada Cultural como a Festa do Rei reúne pessoas de diversas classes sociais e com gostos diferentes, um verdadeiro experimento ao ar livre. E se tem uma época que precisamos extravasar e esquecer um pouquinho do mundo real, virtual e o que lemos e vemos por aí, essa época é agora.
[Fotos: I Hate Flash]
Fita Cassete é o alterego de Brunno quando ele fala sobre o assunto.
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