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Música é coisa de gente grande
“The Voice Kids” foi um dos grandes fenômenos de audiência da TV brasileira neste ano. O programa mirim chegou a bater o Fantástico e trouxe bons patrocinadores para a emissora do plimplim. A Rede Bandeirantes está ainda comemorando o sucesso de audiência do “Masterchef Júnior”. O Raul Gil está há décadas levando guris para fazer perguntas difíceis e arrancar gargalhadas dos presentes.
Com um público cativo e dinheiro pingando bolso, as atrações com crianças na televisão e internet estão aumentando em ritmo galopante, pois dá um ótimo resultado. Leia-se: atrações com crianças e não para crianças. O palco, a pressão e todo cenário é para gente grande e isso me preocupa. A infância desta turma está sendo roubada em plena a luz do dia.
“Nossa, mas ela canta tão bem. Vou deixar este talento guardado em casa? Quero compartilhar isso com o mundo”, pensa um pai. É uma ideia até coerente. O quem tem de errado dar um empurrãozinho no dom que o seu filho ou sobrinho tem de sobra? Para chegar neste nível profissional, o mini-adulto tem que ensaiar e cumprir um cronograma para estar tinindo no programa.
Se ele pode ser o melhor, a criança deve desenvolver o talento da melhor forma. Sendo assim, o que podia ser apenas uma aula de canto após a escola, torna-se visitas regulares num fonoaudiólogo para melhorar a dicção, estudar a música e notas para ficar tudo nos trinques na hora da apresentação, treinar respostas para as perguntas com pegadinhas do jurado, estar com a pele, cabelo e sorriso em dia. Este são alguns dos itens básicos que um desafiante tem que ter para sobreviver no show business e isso custa muito para qualquer um.
Por exemplo, no último fim de semana, os finalistas do “The Voice Kids” participaram de um show para mais de 15 mil pessoas no Paraná. Uma festa grande, com patrocinador e uma estrutura para não botar defeito. Para bancar uma parada dessas, o contratante teve que estipular condições para realizar o evento. Eu fico pensando se tinha alguma cláusula que garantisse que, caso a criança estivesse cansada, tivesse prova ou simplesmente quisesse brincar com os amigos, o contratante ficaria de boa com a falta de algum integrante mirim do programa. A pressão que estes guris têm nessa idade é absurda.
“Ele é meu padrinho, me dá os conselhos do que faço, do que não faço. Sinto um pouco de falta dos meus pais, mas tem que aguentar. A gente tem que sair de casa para abrir os horizontes”. Esta é uma aspa do vencedor do The Voice Brasil Kids para o site Ego, que deixou a casa dos pais para facilitar nas viagens. Cara, como podem achar que a disputa entre crianças é algo mais saudável?
The Mickey Mouse Club
Nos anos 1990, tinha um programa chamado The Mickey Mouse Club e era um dos destaques da TV nos Estados Unidos. Ele dava uma baita audiência, as crianças tinham um cachê rechonchudo e viraram celebridades num futuro não muito distante. Uma infância com trabalho árduo rendeu alguns astros como Ryan Gosling, Britney Spears, Justin Timberlake e Christina Aguilera.
Dentre estes artistas, a Britney foi a que começou mais cedo na labuta. Aos três anos, ela já estava em aulas de dança e participava de recitais. Após este período, ela também começou a fazer ginástica, aulas de voz e faturar competições de talentos infantis. O debute de Britney Spears nos palcos foi aos cinco anos em sua graduação no primário. Cinco anos!
No começo do ano, eu vi um documentário no Netflix e me lembrou um pouco sobre a rotina que estas crianças atravessam. O filme ‘Trophy Kids’ demonstra o mundo dos guris que treinam para se tornarem grandes atletas. É um tanto angustiante ver crianças e adolescentes com treinos de super-heróis, alimentação restrita, ingestão de pílulas e shakes, sem tempo para brincar ou ficar sem fazer nada, como qualquer criança normal. A maior parte dos pais-treinadores são frustrados por não terem conseguido sucesso e projetam o que queriam ser em seus pimpolhos, mas a obsessão mina qualquer divertimento.
Eu sou pai de primeira viagem e me preocupo com programas que tratam moleques como adultos e os fazem competir como gente grande. Acho meio bad, de verdade.
Por mais que em minha casa tenha música desde a hora que ela acorda até a hora da soneca, eu não vou impor um ritmo desses para a minha filha. Vamos encorajá-la a brincar, estudar, jogar, ler e viver como uma criança tem que viver.
O jornalista paulistano, produtor musical e marketeiro Brunno Constante analisa, pondera, escreve e traz novidades sobre música no Papelpop todas as terças-feiras.Fita Cassete é o alterego de Brunno quando ele fala sobre o assunto.
Quer falar com ele? Twitter: @brunno.